Amores proibidos em terra de um deus pagão e de um rio demoníaco 

20-09-2021

Há locais de uma rara beleza que - como se de um diamante por lapidar se tratasse -  mantêm-se ignotos, embora fiquem próximo de lugares turísticos muito visitados.  É o caso desta minha proposta de visita. Acompanhe-me na descoberta de alguns dos encantos escondidos do concelho de Alandroal.

Para aqui chegarmos o melhor será utilizarmos a autoestrada A6, sentido Évora/Estremoz (saída 8), seguindo depois pela E.N. 255 até ao nosso destino.

A receber-nos à chegada, sobrepondo-se ao casario branco que o rodeia, o vermelho-ocre das muralhas do castelo pinta com cores garridas a planície alentejana. No centro da vila uma bela fonte de mármore - afinal estamos na região onde esta pedra é extraída desde o tempo dos romanos -  com as suas seis bicas (cada uma com seu nome) permitem matar a sede em dias de canícula.

Fonte das bicas


Percorrendo as ruas de casas caiadas de branco, debruadas com faixas amarelas, vamos transpor a porta do castelo. No interior da fortificação iremos encontrar a igreja matriz de N. Sra. da Conceição (séc. XVI). De planta retangular e nave única, à entrada encontra-se a lápide recentemente identificada como pertencente a Fernão Lopes, ilustre cronista e guarda-mor da Torre do Tombo no reinado de D. João I.

Porta do castelo, igreja matriz e imagem de Fernão Lopes retratado no "Painel do Arcebispo", parte dos "Painéis de São Vicente de Fora", do pintor Nuno Gonçalves (séc. XV).

A poucos quilómetros do centro da vila, na freguesia de Terena, vamos encontrar um dos mais surpreendente e original vestígio da presença humana na região. Nem mais nem menos que a existência de um santuário indígena consagrado a uma divindade (celta?) ibérica pré-romana: o deus Endovélico. A sua fama de curar doenças granjeou-lhe tal influência nesta zona que quando os romanos cá chegaram também o adotaram como sua divindade tendo-lhe construído o maior templo da Península Ibérica, localiza no outeiro de S. Miguel da Mota. A estatuária e as muitas placas votivas encontradas nas escavações efetuadas encontram-se atualmente no Museu Nacional de Arqueologia (Lisboa).

Reprodução do rosto do deus Endovélico

Se ficou surpreendida/o com a existência do referido santuário dedicado a um deus pagão, o que pensar se lhe disser que ao fundo da encosta onde o mesmo se localiza corre um curso de água com um nome absolutamente espantoso e peculiar: o rio Lucefécit !?! Não, não se trata de nenhuma gralha ortográfica mas sim de um termo latino que, originalmente, se referia a Vénus ou seja a estrela da manhã portadora (ferre) da luz (lux). Porém, na opinião de alguns estudiosos, o facto de mais tarde a igreja associar a palavra Lucifer ao deus das trevas pode explicar a razão do nome dado ao rio uma vez que corre junto ao santuário pagão do deus Endovélico. Seja como for,  a verdade é que o rei de Castela e Leão, D. Afonso X (o sábio), nas "Cantigas de Santa Maria" - dedicadas a Santa Maria de Terena (atual igreja  de de Nossa Senhora da Boa Hora)-  referindo-se ao tal rio, escreveu: "... Dun rio que per y corre, de que seu nome non digo ..."

Mas há muito mais para ver em Terena como por exemplo o castelo ou a igreja-fortaleza de N. Sra. da Boa Nova (séc. XIV), esta última associada ao pedido de D. Maria, rainha de Castela e filha de D. Afonso IV, para que o pai auxiliasse o genro na batalha do Salado contra os sarracenos.   

Igreja de N. Sra. da Boa nova (créditos da foto: site https://pt.wikipedia.org/

Uma outra forma de descobrir a beleza da paisagem, das tradições e das gentes deste concelho será percorrendo os percursos pedestres que nos são propostos (ver aqui).

Imagem bucólica da planície alentejana

Propositadamente, deixei para o fim fazer uma referência à fortaleza de Juromenha. A origem deste curioso nome deve-se, segundo a lenda, a um abastado Godo que desejando obter a herança e o amor proibido de sua irmã Menha, resolveu prendê-la no castelo, no intuito de a convencer. A isso sempre se recusou a jovem dizendo: Jura Menha que não... Ainda hoje uma das torres do castelo tem a denominação de torre da Menha, por supostamente ali ter estado presa a dita donzela.

Localizada numa colina junto ao rio Guadiana, a fortaleza sempre representou uma notável posição na estratégia defensiva ao longo dos séculos, nomeadamente durante a Guerra da Restauração. Porém, o estado de degradação e abandono em que atualmente se encontra, ofusca o brilho e imponência de outrora. Com efeito, observar o maravilhoso cenário das águas do Alqueva que podemos desfrutar do cimo das suas muralhas, acaba por se transformar numa dor de alma face ao estado depauperado daquelas instalações.

Fortaleza de Juromenha

A notícia recente de que está em marcha a reconversão da fortaleza num empreendimento turístico poderá ser a tão aguardada boa nova. A ver vamos.

  


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